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Férias na Ferrugem

Quem nunca sonhou em passar as férias numa praia paradisíaca, em meio à uma galera que leva a vida no ritmo das ondas, sem pressa e sem rumo, simplesmente curtindo o momento? Bom, eu e mais duas amigas decidimos realizar 10 dias na praia da Ferrugem, em Garopaba. Chega a ser um insulto ao potencial da Ferrugem dizer que ela pertence à Garopaba, é como se a estrada nos teletrasportasse entre os dois mundos, a civilização e a comunidade.

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Mas, a título de localização, nosso destino fica no sul de Santa Catarina, logo abaixo de Florianópolis, a “ilha da magia”. E nós seguíamos de Porto Alegre, capital do RS, num carro que voava e derrapava e rugia na estrada, durante umas 5 ou 6 horas. Qual sensação é melhor que o início de uma viagem, quando a expectativa encontra a imaginação e as histórias se criam num lapso relapso de loucuras da estrada? Essa era a vibe, dez dias como páginas em branco, e não tínhamos nada pra escrevê-las senão a vontade de fazer a melhor trip possível. Claro que a música nos acompanhava, eu tinha feito um cd com umas 15 músicas (Psycho killers, Welcome to Jam Rock, entre outras) que marcaram nossa trip.

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O melhor de viajar, é a viagem em si. E viajar à noite tem suas vantagens, como o baixo fluxo do trânsito, o desempenho do carro e a temperatura agradável no verão, e a demência que vai tomando conta dos passageiros quando as horas vão se estendendo, trazendo o sono. Cansamos do nosso cd, e fomos para o rádio. Ouvimos músicas muito boas, cornos assumidos contando suas histórias de amor, louvores e músicas tradicionalistas. Berrávamos de rir alguns momentos, outros deixavam manchas marrons nas calças e nos bancos, como quando um caminhão fechou nossa frente em alta velocidade. Vimos a vida mais de perto, e começamos a contemplar cada segundo com extrema tremedeira nas pernas. E ainda teve a neblina, que nos obrigou a parar logo antes da entrada de Garopaba.

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Chegamos perto das 4 horas da manhã, e tínhamos acertado com um amigo meu um quarto na sua pousada, mas achamos muito cedo para acordá-lo e nos instalarmos, então fomos pra praia da Silveira. Estávamos cansados, mas animados, e dividimos um sanduíche Subway que estava debaixo do banco durante a viagem inteira. Acho que foi uma iniciação à nossa trip nada convencional. Ficamos ali vendo as estrelas, que brilhavam aos punhados pelo céu como se estivésemos no lado de lá do universo. Lembro que eu vi uma estrela cadente, alertei a galera, e ficamos olhando atentos para o céu, até que a Bru avistou a primeira de várias alucinações estelares. Era verdade, as estrelas se mexiam e corriam por alguns segundos ou minutos, não lembro bem, entre as outras que não se moviam. O dia amanheceu, tiramos fotos e seguimos para a nossa pousada.

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Sabíamos que estávamos indo para uma pousada próxima à praia, mas pagando um valor absurdamente barato, tanto pela localização como pelas instalações. Se fosse contar a receptividade, nenhum dinheiro no mundo poderia ter comprado o Roni Ronaldo, dono da pousada, e o Guilbert (Guilb), que nos acolheram não como hóspedes, mas como visitas especiais, como amigos. Largamos nossas tralhas e fomos curtir a praia. A Ferrugem é conhecida pela sua cultura alternativa e liberal, pela praia de água cristalina e areia fofa, ondas excelentes para surfe e noites badaladíssimas. Bem, em alguns quesitos as expectativas foram superadas. Em outros… Falarei depois sobre isso. A água estava cristalina, a praia estava paradisíaca como sempre, o sol apareceu todos os dias, e foi tudo 100% em relação ao clima. Quanto ao surfe eu não tive muita sorte, fui numa época que as ondulações chegam muito fracas, e nos dias que estávamos lá ficou praticamente uma lagoa. Os argentinos adoraram.

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Depois de curtir o dia e descansarmos, o sol se escondeu e a noite tomou conta da vila. O clima era de diversão e a fome nos dominava, então saímos para comer. Era fevereiro, e o movimento estava realmente fraco, então voltamos para a pousada para descansar e aproveitar o dia seguinte. Quando chegamos no quarto, eu convidei minhas amigas pra irmos pra praia trocar uma idéia com Bob, mas elas preferiram descansar. Eram umas 22 horas. Às 6 horas da manhã, sob efeito intenso de álcool, acordei a Tai pra tomar um sorvete. “Mas são 6 da manhã”, ela dizia. E eu concluí: “Então!!!”.

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Nossas férias foram seguidas assim, por noites que encontrava meus amigos e voltava algum horário da manhã, gastronomia variada entre Miojo com ovo e arroz com alguma coisa, garrafas de vodka roubadas a noite, festas furadas, shows artísticos de performances à beiramar, higienização da pousada com água mineral, devassas e pizzas do Budega. Alguns fatos vou relatar, de forma aleatória, que merecem destaque.

Por algum motivo, este ano a Ferrugem estava passando por uma espécie de limpeza, recolhendo todo e qualquer instrumento sonoro após as 22 horas. Logo, a diversão noturna estava fortemente comprometida. Ouvimos boatos de uma possível construção de um grande condomínio de luxo, em alguns anos, e o processo de reciclagem dos jovens alternativos teria iniciado. Histórias de abuso policial, burocratização para recuperar o material confiscado, e até uma abordagem bem rude eram contadas em todos os cantos. Na verdade, enquanto me divertia com meus amigos na segunda noite, sem nenhum motivo fomos abordados e revistados, junto com mais de 10 outros amigos, e acabaram levando um moedor de alho que tinham me emprestado. Sacanagem.

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Outro fato curioso da Ferrugem era como, mesmo sem gente na rua, as noites continuavam as mesmas loucuras, os mesmos amanhecer na praia, os mesmos restos físicos de seres que existiram intensamente durante a noite até o dia raiar, tentando extender a diversão até o limite. Não acredito que qualquer órgão policial ou regulador consiga acabar com a magia deste lugar. Uma dessas noites, conhecemos umas argentinas e fomos para a beira da praia tocar violão, beber o resto da nossa vodka e tomar banho de mar com o sol nascendo no horizonte. Outra noite, fomos convidados pra um lual onde os anfitriões saíram e nos deixaram com a missão da diversão a noite inteira. Uma outra ainda, entramos grátis em festas, ouvimos boas músicas, e eu acabei dormindo. Teve uma ainda que uns caras vieram com um Camaro amarelo, estacionaram e aumentaram o som, mas a seleção natural os repeliu daquele ambiente onde a ostentação financeira explicita a pobreza da alma. Mas as melhores noites eram quando estávamos juntos, entre amigos, como num churrasco que fomos convidados, ou então quando ficávamos na cozinha da pousada deitados na rede, fumando narguilé e sonhando com a noite vazia que não aconteceria. Mal sabíamos que fosse o que fizéssemos, seria especial.

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Uma das minhas amigas se relacionou com um amigo meu, de uma forma muito intensa, curiosa e espontânea. Diria até que sem pudor, puro amor. A outra, deixou para liberar todos os problemas que ela guardava numa noite de muita Devassa, narguilé e churrasco. Aí que entrou a água mineral. E as noites que nossas bebidas eram furtadas por duendes…Aliás, falando em seres extraordinários, o nosso anfitrião da pousada não era nada terrestre, ou pelo menos tinha contato com o extrangeiro. Ervas interplanetárias eram sua especialidade, o carisma sua habilidade natural e a risada sua reação natural a qualquer conversa. Ele também conhecia todo mundo do lugar, o que nos abriu portas para a economia financeira.

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O que menos fizemos foi ir à praia, mas íamos quase todos os dias. Quando encontrávamos nossos amigos, ficávamos lá, atirados, sob a tenda da escolinha de surf, jogando pinha uns nos outros, enterrando rastas sonolentos, jogando pessoas do colchão de ar furado ou experimentando uma iguaria fina e divertida. E claro, muitas Devassas. Quando ficávamos mais isolados na praia, líamos, tomávamos banho de mar, caminhávamos nas pedras ou ficávamos ali, só parasitando, sob os pinheiros. Um dia, pegamos o carro e fomos dar drifts no canto sul da praia, próximo do rio. Foi quando a Tai iniciou os trabalhos automotivos que estão se concluíndo hoje.

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Nossa alimentação foi baseada em hambúrgueres do Pico Santo, pizzas integrais e deliciosamente espetaculares do bar Budega, e as receitas especiais criadas na cozinha da pousada, como o Miovo, massa com molho de “picanha” e panelas imensas de arroz para 3 pessoas. Eu já tinha visto meus amigos todos, ou quase, mas faltava rever um velho amigo de longa data, talvez o único que compartilhava a mesma loucura, ou demência, que eu. Marcamos um churrasco, fomos buscar carne a 30 km/h à la Cheech and Chong, esquecemos o que precisava pegar, mas no final deu tudo certo. Então, o tio Gusta chegou e as idéias foram se desenrolando. Nesta noite, estavam amigos, conhecidos, hóspedes recém-chegadas, psicólogas e loucos. E tinha a Tai. Mas essa é outra história. Porque a Bru também confiou nas minhas faculdades para entender problemas pessoais, mas estávamos todos tão bem que nada poderia nos atrapalhar.

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Já estava no fim a nossa estada, também já não tínhamos mais nem gás nem grana pra ficar mais tempo. Tínhamos abusado da nossa liberdade incondicional, aproveitado cada segundo, seja com intensidade ativa ou ociosa (acreditem, éramos intensamente ociosos às vezes), e já estávamos no nosso limite, um pouco de realidade já caía bem. Era um lugar mágico, com amigos, praia, sol, natureza, tudo o que precisávamos, e estávamos felizes demais para tentar forçar qualquer momento desnecessário. Então, começamos o processo de volta. Não estávamos afim de ir embora também, talvez não estivéssemos prontos para um choque de realidade.

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E foi exatamente assim que nos sentimos, quando chegamos na cidade. Doía saber que aquilo era nossa realidade. Então, o corpo voltava a agir automaticamente, subindo e descendo de ônibus, caminhando com pressa, lutando contra o relógio, para nõa chegar em lugar nenhum. Eu já morei em vários lugares paradisíacos, tive amigos incríveis e vivi situações únicas, e o que mais vale na vida, independente do lugar ou da condição financeira ou do clima, são as pessoas que estão do teu lado. E sempre tive a sorte de me cercar por pessoas incrívelmente loucas. Assim que conhecia cada uma delas, sabia que uma aventura estava por vir. Hoje chove aqui, mas não tem tempo ruim pra quem vive a vida da melhor forma possível.
Encerro este post com um verso : O gringo subiu no morro e bebeu cachaça, fumou maconha e obteve a graça. Depois daquilo, a sua vida nunca mais foi a mesma.MT

Mais fotos:

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E claro, não podia deixar de colocar ao menos um vídeo.